sábado, 31 de março de 2012

O poder agravativo de certas pessoas.

Analisando a sociedade, percebe-se que cada vez mais o egoísmo e a individualidade imperam. Nossos contemporâneos somente olham para o próprio umbigo e não se importam em massacrar os sentimentos dos demais. O outro é o outro e não eu. O que tenho a ver com o sofrimento alheio? Nada, diz a humanidade.
Estamos vivenciando o período quaresmal. A Igreja Católica prega que devemos ser mais generosos com os irmãos (principalmente os não consaguíneos, que fique claro). Devemos abdicar dos nossos maiores desejos em prol daqueles que necessitam de apoio.
É isso que percebemos? Não! Lembrei-me, imediatamente, de uma tirinha em que a personagem Mafalda diz ter pensado que a placa "não tem conserto" iria ser pregada na humanidade. O certo tornou-se piegas e o errado vigora.
Em minha idiota ingenuidade, tentando seguir as regras do bem-viver, tive uma ideia que me pareceu brilhante: economizarei meu hiper-suado dinheiro e repartirei com aqueles que convivem comigo com uns simples, mas carinhosamente distribuídos, chocolates.
Para isso, andei "a pé" (pois as pessoas dizem que "andam" de ônibus) por oito dias, para poupar cada centavo, mas fazia isso com um sorriso nos lábios =], na certeza de fazer o outro se alegrar. Nesse caso, o sacrifício valeria à pena. Deixei, com isso, de comprar algo para mim. Preparei, com amor fraternal, embalagens pascais de um coelhinho generoso. Estava ansiosa pelo momento da partilha. Agendei data e horários convenientes.
Como o ser humano é fadado ao engano, pequei por atos. Valorizei a que não era digno de contemplação. Distribuí, com alegria de criança, meus pequenos pacotinhos tão simplórios, acho que sem a pompa digna dos receptores ou eles já ganham demasiados presentes que não mais valorizam. Daí, percebi que a tristeza seguiu os passos da alegria. Essa não quis largá-la.
Entreguei ao primeiro. Ele agradeceu e depois me disse, sem constrangimentos, que não comia chocolates. Que bela educação, hein?! Por essa não esperava (mal sabia eu que era apenas o começo). Pensei, ainda, anestesiada do primeiro baque, que o segundo receptor reagiria de maneira distinta. Ledo engano! Ao entregar o embrulhinho, (eu mesma já estou no ritmo deles, depreciando meu "produto" pelo artifício sufixal) ele me indagou com um semblante desgostoso: "É ...chocolate?". Veio-me uma vontade súbita de responder: Não! É vento empacotado, mas resisti a esse ímpeto desastroso.
Aposto que todas essas recusas não se dão pelo fato de não gostarem de chocolate, mas pelo desespero de seguir os padrões de beleza absoluta: sem as tão famosas gorduras localizadas, as celulites e as espinhas que deixam as pessoas fora da linha de aceitação dos enaltecedores do perfeitismo. São privações de um viver com harmonia para o viver ditatorial da beleza, cheio de regras. É o somar, minucioso, de cada caloria ingerida.
Ainda sob o efeito da sandice desse dia, resolvi tentar entregar "o causador de desolação" ao próximo da "fila". Tive um lapso de memória e esqueci-me da tão conhecida frase: "Um é pouco, dois é bom e três é demais". Entreguei a terceira e última lembrancinha. O presenteado sorriu e agradeceu. Pensei que tinha obtido sucesso, mas ele mal esperou meu virar de costas para sair distribuindo os chocolates, como internamente me dissesse "nem traga novamente".
Naquele momento, "a ficha finalmente caiu". Minha bolsa ainda estava eivada das guloseimas. Saí, imediatamente, do local sem ter feito o que era para fazer. Aquele ambiente de ensimesmados me contagiou. Senti-me tomada pelo espírito mesquinho. Joguei-me atordoada, aos meus pensamentos. O sentimento de humilhação me seguiu por todo o dia.
Em uma raiva subumana, comi, desesperadamente, todos os outros chocolates, como se fossem os últimos do deserto. Passei mal, confesso. Aqueles exagerados doces consumidos em um único momento me proporcionaram uma senhora enxaqueca. Minha consciência, que já estava pesada, multiplicou o peso.
A priori, escrevi esta crônica em um papel ofício de cor avermelhada para que a tonalidade me lembrasse do sangramento interior. Tudo ficou sem graça. O professor falava e só meu corpo estava ali. O maestro não soube, ainda bem, mas meus pensamentos percorriam terras longínquas.
Ao anoitecer, momento de certa melancolia para os escritores, pude renascer através de leituras que me proporcionaram o conhecimento de casos ainda mais mesquinhos. Machado de Assis me aconselhou e me alertou. Voltei a alegria de sempre, mas agora sob o alerta constante.

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